José Gomes Quadrado
Mós, ou As Mós como também é conhecida, é uma freguesia do concelho de Vila Nova de Foz Côa e pertencente ao distrito da Guarda. É uma aldeia característica do Douro Superior, situada a 300 metros de altitude, num vale encaixado entre rosários de outeiros e de montes, atravessada por um ribeiro, uma linha de água do tipo torrencial que começa nas encostas de Sobradais (na vizinha povoação de Santo Amaro) e vai juntar-se ao ribeiro de Murça para terminar no rio Douro.
Os vestígios de actividades humanas encontrados no “castro” das Campanas e no sítio arqueológico do Castelo Velho permitem concluir que o povoamento do território que actualmente integra o termo desta freguesia terá começado na pré-história recente, ou mais concretamente no Calcolítico. Noutros sítios arqueológicos, como Aldeia Velha, Cruzinha (ou Necreal) e Sambado, ficaram testemunhos da civilização romana e da era medieval. Entre os instrumentos encontrados por Sá Coixão nas Campanas, avultam 12 mós manuais, sendo 11 mós dormentes (fixas ou “mós debaixo”) e apenas uma mó movente (ou andadeira). Também no Castelo Velho foram encontrados fragmentos em granito de ambas as mós.
E depois da fixação da população na margem direita do ribeiro, a herança e a provável prevalência das mós manuais contribuíram para perfilhar a hipótese delas poderem estar na origem do topónimo “As Mós”, já que, como escreveu Sousa Viterbo, “se usavam para moer onde não havia moinhos de água”.
Esta forma composta do topónimo tem como principal sustentação a secular grafia com que foi identificada a povoação, como comprova, por exemplo, uma procuração que remonta a 1380, passada pelos homens mais notáveis do vetusto concelho de Numão, nomeando “Joham Annes das moos“ como “lydimo avondoso procurador autor e mensageiro especial” para, nas cortes realizadas em Torres Novas, votar na eleição de D. Beatriz para suceder ao seu pai, o rei D. Fernando.
O facto do concelho de Numão (tal como muitos outros) ter apoiado esta sucessão legitimista, fez com que D. João I viesse a puni-lo, entregando o senhorio de todo o território concelhio ao poderosíssimo Conde de Marialva e seus descendentes. E só voltaria a ficar ligado à coroa no reinado de D. Manuel I.
Em 1527, D. João III ordenou o primeiro “numeramento” da população portuguesa que totalizava, então, 1 200 000 habitantes, tendo o lugar das Moos 52 moradores. Cerca de 10 anos depois, a 14 de Março de 1537, este mesmo rei pediu e obteve do Papa Paulo III permissão para unir a igreja das Mós à Universidade de Coimbra, uma administração que viria a durar cerca de 300 anos. Durante o tempo que durou o padroado universitário a freguesia, do ponto de vista religioso, foi bastante beneficiada: em 1566, passou a ser sede de vigararia; em 1655, foi reconstruída a capela de Santo António e em 1793, a antiga capela de Nossa Senhora da Graça foi ampliada, decorada e transformada na igreja matriz, substituindo a velha igreja, que acabou quase isolada no “Cimo do Povo”, funcionando como cemitério a partir de 1836.
Em 1758, por ordem do Marquês de Pombal, foi requisitada ao “vigario de Asmos” a elaboração dum relatório que na parte introdutória, esclarece: “Este lugar e Freguezia de Asmos hé da Província da Beyra Alta, Bispado de Lamego, Comarqua de Pinhel, Termo da villa de Freyxo de Numão.” E na resposta à 3ª pergunta, responde: “os vizinhos e moradores que tem sam cento, e onze, e o numero de pessoas entre mayores, e menores sam trezentas e dezasepte.”
A efectiva transferência da sede do concelho de Numão para Freixo acontecera cerca de 100 anos antes, ou seja, em meados do século XVII. Aqui foram assentando arraiais grupos sociais dominantes, incluindo os mais ricos e poderosos proprietários do termo das Mós. E foi um destes senhores que mandou construir, em finais do século XVIII, o único edifício brasonado da povoação, o “Chalé” situado na Portelinha, e não um dos riquíssimos viscondes de Asseca. Este edifício viria a ficar conhecido como “Casa do Campinhos”, por ter sido adquirido, em meados do século XIX, pelo conhecido “clã” fozcoense Campos ou Campos Henriques, que tinha como corifeu Francisco António Campos, o 1º Barão de Foz Côa. Uma aquisição que se teria ficado a dever ao facto das Mós ser um dos poucos locais onde não chegaram as funestas consequências das terríficas convulsões políticas e sociais que afectaram Vila Nova de Foz Côa e a maior parte da terras vizinhas (e não só) durante o período das Lutas Liberais.
Por Decreto de 31 de Dezembro de 1853, foi extinto o concelho de Freixo de Numão e a partir de 1854 a freguesia das Mós passou a depender judicial e administrativamente do concelho de Vila Nova de Foz Côa. E dentre as 11 freguesias anexadas, com um total de 1169 fogos, as Mós, com 112, era a quarta com maior numero de habitações, antecedida pela de Numão com 117 fogos.
A partir de meados de Abril de 1855, este alargado concelho foi invadido pela epidemia da “cólera morbus” ou febre amarela. Altamente contagiosa e mortífera, arrasou a população das Mós, cobrindo-a de luto, já que ceifava a vida a uma de cada grupo de três pessoas infectadas. Tendo atingido o auge em Agosto, a calamidade amainou logo nos primeiros dias de Setembro, facto que foi considerado um milagre, atribuído à intervenção da Mãe de Jesus. E a partir de então, a festa anual ao padroeiro S. Pedro passou a ser substituída pela festa grande a Nossa Senhora da Soledade, realizada no 3º domingo de Setembro, depois da vinda da respectiva imagem (de roca) assente num andor com o formato dum barco.
Quase 30 anos depois, teve lugar um acontecimento decisivo para a gente das Mós: a construção do troço da linha do Douro, entre a Quinta do Vesúvio e o ribeiro da Bulha, numa extensão de 21 Kms.
A primeira consequência foi a criação do lugar de Freixo – Mós, que até 1880 era apenas um simples passadoiro de quem embarcava ou desembarcava na secular Barca de passagem no rio Douro. Quem deu início à sua profunda transformação foi o dinâmico mosense António Augusto de Oliveira Mendes e a sua equipa de trabalhadores, que começaram por converter um pardieiro que ali existia num edifício onde funcionaria o único estabelecimento, numa área de alguns quilómetros, destinado a servir de apoio logístico a várias dezenas de trabalhadores que se ocupavam nas obras do caminho de ferro. Com os lucros obtidos foi construindo um conjunto de 30 casas, montando em algumas oficinas (entre elas uma forja), servindo outras para abrigar os obreiros recrutados. Depois, foi comprando e juntando terrenos onde viria a fundar a conhecida Quinta do Torrão e a capela de Santo António do Torrão, com um pequeno adro rodeado de grades e portão de ferro, formando um belo conjunto, que acabou por ser demolido quando ali foi construído o terminal da estrada nacional 324.
A partir de 10 de Janeiro de 1887, começou a circular o comboio entre o Pocinho e Campanhã, com paragem na estação de Freixo - Mós (assim designada até 1927), rompendo um secular isolamento, ligando a povoação às regiões do litoral, desde sempre mais abertas a novas influências civilizacionais e permitindo, acima de tudo, uma decisiva mobilidade geográfica e com ela o desenvolvimento duma mobilidade socioprofissional que começou por fazer das Mós uma terra de muitos ferroviários, para depois permitir o ensejo de alguns ingressarem em empregos no litoral, mormente, no Porto; ocasionado, ainda, que outros optassem pela emigração intercontinental, sobretudo, para o Brasil e para a África.
Além de grande empreendedor, Oliveira Mendes foi a maior benemérito das Mós e da sua gente. Bastará referir que: despendeu avultadas somas na canalização da água da fonte de Nogueira até ao “Cano”, que ainda hoje se mantém no centro da povoação; cedeu um edifício mobilado e devidamente apetrechado com o material didáctico, para nele funcionar a primeira escola do sexo feminino e socorreu os seus conterrâneos mais necessitados. Pelo seu grande altruísmo, foi justamente louvado pela primeira junta de freguesia republicana e homenageada a sua memória em 17 de Setembro de 1978; tal como já havia sido a de outro grande vulto da história das Mós, o seu contemporâneo e primeiro professor da escola do sexo masculino, José António Saraiva, ambas por iniciativa do ilustre mosense Dr. Joaquim Castelinho.
Na noite de 15 de Fevereiro de 1941, um terrifico ciclone assolou todo o País e nas Mós, para além de prejuízos individuais, deixou toda a gente consternada por ter derrubado o Olmo do Terreiro. Tão frondoso era que a sua copa cobria, praticamente, todo o Largo. E a consternação foi tal, que o povo lhe dedicou uns versos que terminavam assim: “Ó homens, não choreis mais / Pelo Olmo do Terreiro,/ Que caiu ...não volta mais!”
Mas voltou! Graças à tenacidade do então secretário da Junta, António Gaspar, que conseguiu o empréstimo do macaco que nas Oficinas do Pocinho estava destinado a levantar locomotivas. E o Olmo, após um grande desbastamento, foi erguido com a ajuda de novos, de velhos e rodeado dum pequeno muro. E durante cerca de meio século, continuou a abrigar todos os que procuravam a sua generosa sombra.
Foi neste mesmo ano que chegou às Mós a “febre do minério” que viria a inverter o acentuado decréscimo demográfico verificado na década anterior. Com o deflagrar da 2ª Guerra Mundial, a grande maioria dos agricultores mosenses virou volframista. E para além de residentes, esta opção viria a ser tomada, também, por alguns ausentes há vários anos, que vieram em busca do “eldorado”. Portanto, uma das primeiras e mais significativas consequências da “febre do minério” foi o aumento da população residente, que terá crescido cerca de 40%, ultrapassando um total de mil habitantes. Mas este histórico e provisório crescimento populacional ficou a dever-se menos ao retorno de mosenses e mais à fixação (quase toda transitória) de várias dezenas de famílias oriundas de zonas mais populosas do Alto Douro. Os seus homens vieram para trabalhar, sobretudo, na construção civil, já que naqueles breves quatro anos se construíram ou reconstruíram mais casas do que anteriormente acontecera em 2 ou 3 séculos da multissecular história da freguesia das Mós.
A partir de meados de Abril de 1855, este alargado concelho foi invadido pela epidemia da “cólera morbus” ou febre amarela. Altamente contagiosa e mortífera, arrasou a população das Mós, cobrindo-a de luto, já que ceifava a vida a uma de cada grupo de três pessoas infectadas. Tendo atingido o auge em Agosto, a calamidade amainou logo nos primeiros dias de Setembro, facto que foi considerado um milagre, atribuído à intervenção da Mãe de Jesus. E a partir de então, a festa anual ao padroeiro S. Pedro passou a ser substituída pela festa grande a Nossa Senhora da Soledade, realizada no 3º domingo de Setembro, depois da vinda da respectiva imagem (de roca) assente num andor com o formato dum barco.
Quase 30 anos depois, teve lugar um acontecimento decisivo para a gente das Mós: a construção do troço da linha do Douro, entre a Quinta do Vesúvio e o ribeiro da Bulha, numa extensão de 21 Kms.
A primeira consequência foi a criação do lugar de Freixo – Mós, que até 1880 era apenas um simples passadoiro de quem embarcava ou desembarcava na secular Barca de passagem no rio Douro. Quem deu início à sua profunda transformação foi o dinâmico mosense António Augusto de Oliveira Mendes e a sua equipa de trabalhadores, que começaram por converter um pardieiro que ali existia num edifício onde funcionaria o único estabelecimento, numa área de alguns quilómetros, destinado a servir de apoio logístico a várias dezenas de trabalhadores que se ocupavam nas obras do caminho de ferro. Com os lucros obtidos foi construindo um conjunto de 30 casas, montando em algumas oficinas (entre elas uma forja), servindo outras para abrigar os obreiros recrutados. Depois, foi comprando e juntando terrenos onde viria a fundar a conhecida Quinta do Torrão e a capela de Santo António do Torrão, com um pequeno adro rodeado de grades e portão de ferro, formando um belo conjunto, que acabou por ser demolido quando ali foi construído o terminal da estrada nacional 324.
A partir de 10 de Janeiro de 1887, começou a circular o comboio entre o Pocinho e Campanhã, com paragem na estação de Freixo - Mós (assim designada até 1927), rompendo um secular isolamento, ligando a povoação às regiões do litoral, desde sempre mais abertas a novas influências civilizacionais e permitindo, acima de tudo, uma decisiva mobilidade geográfica e com ela o desenvolvimento duma mobilidade socioprofissional que começou por fazer das Mós uma terra de muitos ferroviários, para depois permitir o ensejo de alguns ingressarem em empregos no litoral, mormente, no Porto; ocasionado, ainda, que outros optassem pela emigração intercontinental, sobretudo, para o Brasil e para a África.
Além de grande empreendedor, Oliveira Mendes foi a maior benemérito das Mós e da sua gente. Bastará referir que: despendeu avultadas somas na canalização da água da fonte de Nogueira até ao “Cano”, que ainda hoje se mantém no centro da povoação; cedeu um edifício mobilado e devidamente apetrechado com o material didáctico, para nele funcionar a primeira escola do sexo feminino e socorreu os seus conterrâneos mais necessitados. Pelo seu grande altruísmo, foi justamente louvado pela primeira junta de freguesia republicana e homenageada a sua memória em 17 de Setembro de 1978; tal como já havia sido a de outro grande vulto da história das Mós, o seu contemporâneo e primeiro professor da escola do sexo masculino, José António Saraiva, ambas por iniciativa do ilustre mosense Dr. Joaquim Castelinho.
Na noite de 15 de Fevereiro de 1941, um terrifico ciclone assolou todo o País e nas Mós, para além de prejuízos individuais, deixou toda a gente consternada por ter derrubado o Olmo do Terreiro. Tão frondoso era que a sua copa cobria, praticamente, todo o Largo. E a consternação foi tal, que o povo lhe dedicou uns versos que terminavam assim: “Ó homens, não choreis mais / Pelo Olmo do Terreiro,/ Que caiu ...não volta mais!”
Mas voltou! Graças à tenacidade do então secretário da Junta, António Gaspar, que conseguiu o empréstimo do macaco que nas Oficinas do Pocinho estava destinado a levantar locomotivas. E o Olmo, após um grande desbastamento, foi erguido com a ajuda de novos, de velhos e rodeado dum pequeno muro. E durante cerca de meio século, continuou a abrigar todos os que procuravam a sua generosa sombra.
Foi neste mesmo ano que chegou às Mós a “febre do minério” que viria a inverter o acentuado decréscimo demográfico verificado na década anterior. Com o deflagrar da 2ª Guerra Mundial, a grande maioria dos agricultores mosenses virou volframista. E para além de residentes, esta opção viria a ser tomada, também, por alguns ausentes há vários anos, que vieram em busca do “eldorado”. Portanto, uma das primeiras e mais significativas consequências da “febre do minério” foi o aumento da população residente, que terá crescido cerca de 40%, ultrapassando um total de mil habitantes. Mas este histórico e provisório crescimento populacional ficou a dever-se menos ao retorno de mosenses e mais à fixação (quase toda transitória) de várias dezenas de famílias oriundas de zonas mais populosas do Alto Douro. Os seus homens vieram para trabalhar, sobretudo, na construção civil, já que naqueles breves quatro anos se construíram ou reconstruíram mais casas do que anteriormente acontecera em 2 ou 3 séculos da multissecular história da freguesia das Mós.